Medidas que compensam isenção do IR até R$ 5 mil devem abrir corrida de empresas para distribuir lucros de 2025
Por: Vinicius Neder
Fonte: O Globo
O Congresso finalizou ontem a aprovação do projeto de lei proposto pelo
governo para ampliar a quem ganha R$ 5 mil por mês a isenção do Imposto de
Renda. Para especialistas, o principal efeito será melhorar a progressividade da
tributação, diminuindo as taxas sobre a classe média e aumentando sobre os
contribuintes de alta renda.
No entanto, preveem questionamentos no andar de cima quanto às medidas de
tributação dos mais ricos incluídas no projeto para compensar a perda de
arrecadação com a ampliação da isenção.
Tributaristas ouvidos pelo GLOBO observam que mudanças que atingem
grandes companhias e investidores estrangeiros poderão ser foco de problemas,
inclusive questionamentos junto ao Fisco e à Justiça. E, como as regras
aprovadas ontem só passam a valer no ano que vem, pode haver uma
antecipação de distribuição de lucros nas empresas.
As novas regras aprovadas ontem no Senado sem alteração em relação ao
definido pela Câmara — e que agora só precisam da sanção do presidente Lula
— preveem retenção na fonte nos pagamentos de dividendos — a principal
forma de distribuição do lucro das empresas para sócios ou acionistas — acima
de R$ 50 mil e nas remessas de lucros para o exterior, de quaisquer valores, sem
limite mínimo.
As novas regras levarão as grandes companhias abertas e multinacionais a uma
corrida para consultar bancas de advocacia, fechar balanços e distribuir os
lucros até o fim deste ano, disse Eric Visini, sócio na área tributária do escritório
TozziniFreire Advogados. Isso porque o PL aprovado nesta quarta-feira prevê
que continuarão isentos os ganhos registrados até 31 de dezembro deste ano.
O problema, segundo o tributarista, é que a redação final do PL encaminhado
para sanção presidencial deixou lacunas. Uma instrução normativa (IN) da
Receita Federal poderia esclarecer os procedimentos, mas é improvável que isso
ocorra antes do prazo de 31 de dezembro próximo.
A retenção na fonte do IRPF (Imposto de Renda Pessoa Física) sobre
dividendos e a tributação sobre as remessas de lucro ao exterior prevista no
projeto aprovado esteve na mira das críticas de tributaristas e de entidades
empresariais ao longo da tramitação da proposta no Congresso.
No mês passado, a Câmara Americana de Comércio (Amcham), a Associação
Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), a Associação Brasileira da
Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), a Câmara Britânica de Comércio e
Indústria no Brasil (Britcham) e o Grupo de Estudos Tributários Aplicados
(Getap) divulgaram um comunicado conjunto criticando a tributação sobre as
remessas para fora.
“A introdução dessa taxação também inibe o ingresso de capitais estrangeiros”,
diz o texto. A nova cobrança “ignora os impactos do aumento de carga
tributária sobre investidores estrangeiros e trata de forma inadequada os
mecanismos internacionais para evitar a bitributação, como o crédito do
imposto estrangeiro e a isenção da renda externa”, continua o comunicado
conjunto.
Para Visini, o problema não está na tributação em si. Tributar remessas de
lucros de um país a outro é prática comum em uma série de nações, disse o
tributarista.
Tratados internacionais para evitar que o mesmo lucro seja tributado duas vezes
também são corriqueiros — assim como o mecanismo de abater, da cobrança
de tributos sobre o lucro do país que recebe a remessa, o montante que foi pago
no país onde o ganho foi auferido.
O problema, segundo Visini, é como as cobranças e as compensações serão
colocadas em prática. O PL que vai a sanção coloca alguns obstáculos. Um
deles, segundo o tributarista, é que a cobrança sobre todas as remessas para o
exterior, independentemente dos valores, ainda estará sujeita a ajuste anual, para
verificar a alíquota efetiva, o que poderia até gerar crédito para o contribuinte,
mas poderia dificultar eventual compensação no país de destino.
O também tributarista Hermano Barbosa, sócio do BMA Advogados, alertou
para o fato de que poderá ser difícil obter compensações nos países de destino
das remessas.
Segundo ele, diversos países desenvolvidos, como EUA, Canadá, Reino Unido
e membros da União Europeia (UE), evitam a cobrança repetida de tributos
sobre os lucros por meio de um mecanismo chamado “participation
exemption”. Na prática, isso isenta as remessas de multinacionais e fundos de
investimentos.
— Quando esse investidor recebe dividendos da empresa em que investe no
Brasil, ele tem a receita vinda do exterior isenta, não levará crédito (por eventual
tributo já pago no Brasil). Na prática, qualquer tributação na fonte no Brasil
passa a ser um custo para o investidor. Isso já seria ruim quando pensamos em
investimentos futuros, mas é ainda mais grave quando pensamos em
investimentos já existentes, nos quais o investidor confiou no sistema anterior
— disse Barbosa.
Economistas destacam progressividade
É consenso entre economistas que estudam a dinâmica de distribuição de renda
apontar para o fato de que os contribuintes de alta renda pagam pouco IRPF
em termos relativos. Especialistas ouvidos pelo GLOBO dizem que as medidas
que compensam a ampliação da isenção no andar de baixo favorece maior
progressividade no sistema de tributação de renda do país.
Nas contas de Paulo Henrique Pêgas, professor de contabilidade do Ibmec-RJ,
apenas 234 mil brasileiros têm renda total de R$ 106 mil a R$ 422 mil por mês,
conforme dados da Receita Federal. O pesquisador estima que esse grupo paga
hoje uma alíquota efetiva — que é a parcela dos ganhos totais que se paga de
IR, já considerando deduções e tributações exclusivas — de 4,1%, na média.
Pela nova regra, esse grupo estaria sujeito ao IRPF mínimo, de 10%, mas a
incidência do piso dependerá de cada caso, levando em conta quanto o
contribuinte já paga. Também estariam sujeitos ao IRPF mínimo os 45 mil
contribuintes com renda mensal acima de R$ 422 mil. E esse grupo de altíssima
renda paga ainda menos IR: a alíquota efetiva média deles foi de apenas 1,2%,
nas contas do professor.
— O imposto mínimo é uma medida paliativa que ameniza algumas distorções
do nosso sistema tributário e, simbolicamente, essa aprovação rompe uma
inércia de duas décadas de resistência contra a necessária reforma da tributação
da renda — disse o economista Sérgio Gobetti, assessor da Secretaria de Estado
de Fazenda do Rio Grande do Sul e pesquisador licenciado do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), defendendo mais ajustes no futuro.